O Brasil e a corrosão silenciosa | Corrupção como sintoma do abandono institucional

Published On: 02/08/2025 14:16

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País registra pior nota em ranking global de integridade e se afasta cada vez mais de padrões mínimos de transparência e responsabilização pública

Por Janna Machado

O Brasil registrou, em 2024, sua pior colocação no Índice de Percepção da Corrupção (IPC), elaborado pela Transparência Internacional: 107º lugar entre 180 países, com apenas 34 pontos em 100 possíveis. Trata-se de um alerta incômodo — e, infelizmente, pouco surpreendente. O problema não está apenas na corrupção em si, mas na crescente naturalização do desvio ético como parte do cotidiano político e administrativo brasileiro.

Não faltam leis, operações, escândalos e manchetes. O que falta é consequência. A impunidade, a instrumentalização da Justiça, o enfraquecimento dos mecanismos de controle e o avanço silencioso da criminalidade sobre estruturas públicas compõem um cenário que não pode mais ser visto como episódico, mas sim estrutural. A corrupção, nesse contexto, deixa de ser exceção para se tornar o modus operandi da máquina pública em muitas esferas.

A piora no ranking mundial não decorre apenas de atos individuais ou de governos isolados. É reflexo de uma cultura política viciada, onde interesses partidários sobrepõem-se aos interesses públicos, onde acordos silenciosos valem mais que a Constituição, e onde o orçamento é tratado como moeda de troca — ou de silêncio.

O enfraquecimento de investigações sensíveis, os ataques a órgãos de fiscalização e o uso político de estruturas institucionais reforçam a percepção de que há um pacto tácito entre poder e conivência. E enquanto isso, a população comum continua pagando a conta — em filas de hospital, escolas sucateadas, obras inacabadas e salários achatados.

O Brasil não é, segundo os números, o país mais corrupto do mundo. Mas o que o IPC evidencia é que estamos em trajetória descendente, em um contexto de retrocesso cívico e institucional. A corrosão não é apenas de cofres públicos, mas de valores democráticos. E isso exige mais do que operações policiais ou mudanças pontuais. Exige uma reestruturação profunda da cultura política, com fortalecimento da transparência, da educação cívica e da proteção real aos que ousam denunciar.

A corrupção não é inevitável — mas tolerá-la, sim, é uma escolha. E o Brasil, neste momento, está fazendo escolhas perigosas demais.

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