Novo modelo da CNH desafia burocracia e privilégios
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Simplificação do processo divide opiniões, reduz custos e expõe velhas distorções do sistema de habilitação no Brasil
O Brasil decidiu mexer em um dos seus rituais mais caros e burocráticos: tirar a Carteira Nacional de Habilitação. O novo modelo, que flexibiliza etapas, amplia o uso do digital e reduz custos, não é apenas uma mudança administrativa. É um recado político e social claro: ou o sistema se adapta à realidade do país, ou continuará empurrando milhões para a ilegalidade.
Durante anos, a CNH virou um privilégio. Em muitos estados, o custo ultrapassa com folga os R$ 3 mil. Para quem vive de salário mínimo, isso não é investimento — é barreira. O resultado sempre foi previsível: pessoas dirigindo sem habilitação, aprendendo na prática, fora de qualquer controle do Estado. Fingir que esse cenário não existe nunca tornou o trânsito mais seguro.
O novo modelo acerta ao atacar o problema onde ele realmente está: no excesso de burocracia e no custo inflado. Ao permitir estudo teórico digital, flexibilizar a formação prática e abrir espaço para instrutores credenciados fora do monopólio das autoescolas, o governo faz algo raro — trata o cidadão como adulto responsável.
Isso não significa liberar geral. Provas continuam obrigatórias. Exames médicos seguem exigidos. O Estado ainda valida quem está apto a dirigir. A diferença é que o caminho até a prova deixa de ser um labirinto caro e passa a ser um processo mais racional.
A crítica existe, e não é ilegítima. Há quem tema queda na qualidade da formação. Esse risco só será real se fiscalização falhar. O problema nunca foi o formato, e sim a ausência de controle efetivo. Autoescola cara não é sinônimo de bom motorista. Prova rigorosa e fiscalização séria, sim.
Outro ponto positivo é simbólico: digitalizar o acesso à CNH é reconhecer que o Brasil real já vive no celular. Se imposto, benefício social, carteira de trabalho e documentos migraram para o digital, não fazia sentido manter a habilitação presa a um modelo dos anos 1990.
No fundo, o debate é simples. O Estado prefere fingir que controla tudo, mantendo um sistema excludente, ou prefere regular melhor uma realidade que já existe? O novo modelo escolhe a segunda opção. Não é perfeito, mas é mais honesto.
Se bem fiscalizada, a nova CNH pode reduzir a informalidade, ampliar o acesso e, paradoxalmente, aumentar a segurança no trânsito. Porque trânsito seguro não nasce de papelada cara. Nasce de regras claras, fiscalização real e acesso justo.
O Brasil não precisa de mais obstáculos. Precisa de soluções que funcionem no mundo real. Dessa vez, o volante virou na direção certa.
Fonte de referência/Foto: Ministério dos Transportes, Contran, Agência Brasil

