O país que falha com as mulheres antes mesmo de tentar protegê-las

Published On: 25/12/2025 20:53

Compartilhar

O feminicídio cresce porque o Estado reage tarde demais e a sociedade normaliza tragédias como se fossem rotina

Há dados que deveriam paralisar o país, mas passam como boletim do tempo: mulheres seguem sendo assassinadas por serem mulheres. Trocam-se nomes, datas, cidades e circunstâncias, mas a estrutura que sustenta o feminicídio segue intocada. O Brasil naturalizou essa violência a ponto de tratá-la como parte do cotidiano nacional. E isso é devastador.

O índice de feminicídios aumenta não por acaso, mas porque nada central muda. A cada sete horas, uma mulher é morta por motivo de gênero. Não são fatalidades, não são exceções, não são desvios morais individuais. É sistema. É omissão. É negligência travestida de lentidão institucional.

Enquanto o Congresso dedica energia a temas periféricos, a pauta central continua sem avanço real. O debate sobre políticas de proteção, monitoramento de agressores e fortalecimento da rede de atendimento parece uma discussão distante, quase futurista, quando deveria ser prioridade absoluta. Mulheres morrem porque o Estado falha em proteger, investigar, punir e prevenir.

O padrão se repete. O Brasil só se mobiliza depois do crime consumado. Antes da morte, a vítima denuncia, implora, procura a polícia, pede medida protetiva. Sai com um aviso no papel e nenhuma garantia palpável de segurança. Depois da morte, o ritual é outro: coletiva de imprensa, frases indignadas, hashtags, notas de repúdio. A engrenagem só gira quando é tarde demais.

O Estado falha. E falha não apenas por falta de ação, mas por falta de prioridade. Se houvesse monitoramento ativo, agressor não rondaria a porta da vítima com tornozeleira. Se houvesse rede estruturada, mulheres não precisariam se esconder. É a vítima que muda de vida para sobreviver; o feminicida frequentemente segue onde sempre esteve.

A pergunta incômoda permanece: quanto vale a vida de uma mulher no Brasil? O silêncio diante dessa questão é uma resposta. A comoção dura dois dias. Depois, a rotina retorna. Até o próximo nome. Até o próximo corpo. Até o próximo ciclo de dor noticiada e esquecida.

Esse ciclo favorece o agressor. Quando a morte por ser mulher vira rotina, a sensação de impunidade se espalha. Na prática, muitos criminosos percebem que o risco de punição integral é baixo. O resultado é previsível: mais violência, mais mortes, mais vidas interrompidas pelo que deveria ser inimaginável.

Não existe solução mágica, mas existem caminhos concretos. Lei que funcione na prática e não só no texto. Medida protetiva com tecnologia e monitoramento imediato. Delegacias estruturadas para acolhimento. Escola que eduque para relações sem violência. Justiça que reconheça quem representa risco real. Estado que intervenha antes do sangue.

O feminicídio não é um choque social ou falha pontual. É o resultado lógico de um país que ainda discute se proteger mulheres é favor político ou obrigação constitucional. Enquanto essa dúvida existir, mulheres continuarão morrendo dentro de casa, em vias públicas, em trajetos curtos, em vidas que jamais deveriam ter fim violento.

O Brasil não precisa de flores depois da tragédia. Precisa de ação antes dela. Precisa de Estado presente, justiça ágil, e sociedade que não aceite mais esse destino cruel. Nenhuma mulher nasce para virar estatística.

A pergunta que fica é direta: vamos continuar achando normal ou vamos exigir ruptura? Porque do jeito que está, o Brasil não é apenas omisso. É cúmplice pela repetição.

Faça um comentário