Quando a educação vira moeda e ninguém finge se chocar
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Fraudes apontadas pela PF revelam falhas de governança, controle e integridade em contratos educacionais que deveriam ser blindados
Por Janna Machado
A cada novo escândalo envolvendo dinheiro da educação, a sensação é a mesma, estamos presos em um looping nacional onde a indignação dura menos que um ciclo de notícia. Agora, a Polícia Federal revela um esquema tão absurdo que parece ficção barata, kits de robótica comprados por R$ 1, R$ 3, R$ 5 sendo vendidos por até R$ 80 a prefeituras paulistas. É o tipo de sobrepreço que exige uma pausa dramática, 3.500 por cento. Nem o mercado de luxo ousa tanto.
A empresa no centro da investigação, a Life Tecnologia Educacional, teria faturado cerca de R$ 128 milhões entre 2021 e 2024 fornecendo material didático e componentes eletrônicos para prefeituras. Os valores escancaram algo mais grave, não se trata de uma distorção pontual, mas de uma engrenagem montada para sugar recursos do Fundeb, o fundo que deveria garantir educação básica de qualidade, especialmente para escolas que mal têm ventilador funcionando.
E a roda girava com peças de diferentes tamanhos. A PF aponta que Carla Ariane Trindade, ex nora do presidente Lula, teria atuado como articuladora política, aproximando a empresa de prefeituras e do FNDE. Já Kalil Bittar, também ligado à família do presidente, seria o operador financeiro desse arranjo, movimentando valores, facilitando contratos e navegando com desenvoltura no submundo do lobby educacional.
O enredo não para por aí. As investigações mostram compras de bens de luxo, conversão de recursos públicos em criptomoedas e uma estratégia meticulosa de ocultação de valores. Enquanto isso, nas escolas, o cenário é o de sempre, goteiras, falta de professores, merendas ralas, laboratórios inexistentes. A distância entre o discurso de tecnologia na educação e a sala de aula de verdade nunca foi tão gritante.
A Operação Coffee Break cumpriu 50 mandados de busca e apreensão e 6 prisões preventivas autorizadas pela 1ª Vara Federal de Campinas. Prefeituras como Limeira, Sumaré e Hortolândia estão na lista das que contrataram a Life Tecnologia. Hortolândia disse que tudo foi feito dentro da lei. É o tipo de frase que virou bordão nacional, sempre aparece antes do noticiário mostrar que não era bem assim.
É curioso perceber como a tecnologia, tão estimada como símbolo de futuro, virou também uma nova fronteira para esquemas velhos. Robótica, inteligência artificial, aulas digitais, tudo virou palavra mágica para seduzir gestores públicos e carimbar contratos que ninguém ousava questionar. Quem, afinal, quer parecer contra o progresso? É a fachada perfeita para desviar dinheiro sem levantar suspeitas.
E aí voltamos ao ponto incômodo. A real pergunta não é quem assinou o contrato, quem influenciou quem, quem recebeu quanto. A pergunta que insiste é, por que sempre há tanto espaço para esse tipo de fraude no coração da educação? A resposta é dolorosa. Porque a educação, no Brasil, continua sendo vista como vitrine, nunca como prioridade. Um espaço onde o marketing pesa mais que o aprendizado e onde a ambição de alguns vale mais que o futuro de milhões.
Enquanto houver gente disposta a transformar o Fundeb em carteira pessoal, a educação seguirá sendo o campo ideal para espertezas de todo tipo. Nossos estudantes, esses continuam pegando fogo no meio da pista, enquanto o país insiste em fingir que não vê a fumaça.

